Itajaí-Açu superou 15 metros de altura em cinco enchentes

Primeiro registro de grande cheia foi em 1852. Todas elas causaram prejuízos e atrasaram o desenvolvimento da cidade

Blumenau e o Vale do Itajaí enfrentam, há séculos, desastres naturais. De acordo com dados do AlertaBlu, sistema da Defesa Civil que fornece alertas meteorológicos e sobre o nível do rio Itajaí-Açu, praticamente todos os anos ocorrem cheias de até pelo menos 7 metros. Quando o rio atinge essa altura, várias ruas da cidade são alagadas.

Os registros sobre enchentes na cidade são feitos desde 1852. Algumas delas foram muito além dos 7 metros e marcaram a vida dos blumenauenses. As cheias de 1852, 1880, 1911, 1983 e 1984 são consideradas as piores, devido ao número de desabrigados e prejuízos econômicos.

Enchente de 1911 alcançou o nível de 16,9 metros, o maior já registrado em Blumenau – Foto: Arquivo Histórico de Blumenau

De acordo com a historiadora Sueli Petri, as enchentes que aconteceram em 1880 afetaram tanto a região, que até mesmo a instalação do município recém-criado teve que ser adiada. “As cheias do século 19, causaram grandes problemas e eles foram tão acentuados, que a colônia de Blumenau havia se emancipado, porém a entrega da situação do novo município não foi possível, porque os prejuízos foram tão grandes que foi necessário retardar a emancipação, em três anos depois”, comenta a historiadora.

Crescimento prejudicado

Em 2 de outubro de 1911, Blumenau via o rio Itajaí-Açu subir como nunca subiu e atingir a maior marca da história. Segundo o AlertaBlu, naquele dia o rio alcançou a marca de 16,9 metros. Com esse volume de água, a rua mais conhecida de Blumenau, a XV de Novembro, estava completamente debaixo d’água.

As cheias de 1911 foram tão marcantes quanto todas as outras, mas segundo Sueli, as perdas e prejuízos na área agrícola e comercial atingiram toda a cidade. Levou muito tempo para que tudo fosse recuperado. Ela relembra que, naquela época, a Alemanha até realizou uma campanha para auxiliar a cidade de Blumenau nos setores que mais precisavam.

“Além da Alemanha, o governo do Estado de Santa Catarina, comandado por Hercílio Luz, também enviou recursos para a cidade, subsídio esse que foi usado para concluir a ponte Lauro Muller, a famosa Ponte do Salto”, diz.

A cidade vivia uma grande evolução econômica sob o comando do prefeito Alvim Schrader. Porém, com as enchentes, houve um grande atraso no crescimento do município devido aos prejuízos econômicos. Comerciantes ficaram sem trabalhar por dias, a economia não rodava, produções das grandes empresas precisaram ser interrompidas por conta das cheias. Blumenau não produzia nada para fora e nem para si mesmo.

“A imprensa da época fez vários registros, e neles, é possível ter uma noção do quão terrível foi aquela enchente de 1911. Tivemos muitos prejuízos, muitos mesmos”, esclarece. Naquela época, segundo a historiadora, houve várias propostas para solucionar o problema, como a transferência da cidade para pontos mais elevados.

A construção de um canal de escoamento, chamado de “canal extravasor”, também foi uma ideia discutida na época. O canal seria a partir da Itoupava Norte, em Blumenau, passando pelo bairro Fortaleza e, através de um túnel, alcançaria o bairro Belchior, onde as águas que ultrapassassem determinado nível, tornariam ao leito do Itajaí-Açu, evitando a inundação do centro de Blumenau.

Em 1983 as águas não baixavam de 15 metros

A enchente de 1983 foi uma das mais longas da história de Blumenau e causou inúmeras perdas econômicas e humanas. O ex-secretário da Comissão Municipal de Defesa Civil, José Augusto Carvalho de Nóbrega, relembra que o ano inteiro foi de muita chuva, mas que a partir de 7 de julho a situação ficou crítica.

“O ano de 83 já começou dando umas dicas pra gente. Começou chuvoso demais, com o rio subindo e descendo. Então começa a chover e vem a preocupação. Estava no plantão e a chuva não parava. Eu fui para casa pegar alguma coisa porque não sabia como ia ficar a partir daquele momento”, relembra.

Ele lembra que quando estava voltando, o Itajaí-Açu estava começando a subir e o desesperado começou a tomar conta. As sirenes de alerta de enchente começaram a tocar e ele enfatiza que estava sentindo muito medo, pois não sabia como viria essa enchente.

O rio atingiu um nível muito elevado, mas esse não foi o problema principal. O pior de tudo é que ele se manteve naquele nível de 15 metros por quase um mês. Casas foram completamente destruídas, comércios não existiam mais e as pessoas tinham que se locomover de canoas ou de helicóptero.

Prefeitura de Blumenau ficou ilhada durante as cheias de 1984. Foto: Arquivo Histórico de Blumenau

Foi um mês de julho histórico negativamente para Blumenau. Mas em 9 de agosto de 1983, as águas baixaram e outro momento histórico se iniciava. Dessa vez, foi diferente. A historiadora Sueli comenta que a comunidade não ficou parada esperando ajuda de terceiros para limpar as casas e as ruas. “Vem as cheias e eles limpavam tudo com a própria água da enchente. Isso se tornou comum uma vez que quase todos os anos o rio Itajaí-Açu aumenta seu nível e alaga a cidade”, explica. Segundo ela, isso se transformou em uma “tradição”.  

A cheia daquele ano é considerada por muitos a pior que Blumenau já teve, por ser a maior em número de mortes, tempo de enchente e destruição. Até hoje não se sabe a quantidade exata de vítimas. A precariedade era tanta, que muitas pessoas foram enterradas em covas rasas devido à impossibilidade de realizar enterros em locais apropriados.

O pico da cheia foi de 15,34 metros, segundo o AlertaBlu. Mesmo não sendo a maior em relação à altura, ela foi a maior em questão de tempo. Foram mais de 20 dias com a água acima dos 15 metros. 

Apesar de toda a tristeza, foi a solidariedade que permitiu que as famílias atingidas tivessem fôlego para recomeçar. Mais uma vez, era preciso reerguer tudo aquilo que foi construído ao longo de uma vida e que foi levado pela água em poucos dias ou até horas. Centros de ajuda foram montados e as pessoas se ajudavam. Cada um auxiliava da maneira que conseguia. Doações chegavam de todas as partes do estado e do Brasil.

“Foi a maior loucura do mundo, nunca vi algo assim. Um mini hospital foi montado na Secretaria de Saúde da prefeitura. Com comida faltando, recebemos o risoto de salsicha que o batalhão fazia e levava em panelão. Cozinheiras voluntárias faziam comida lá na prefeitura, no bar da Associação dos Servidores”, complementa José Augusto.

Um ano depois, mais uma enchente

Pouco mais de um ano após a enchente de 1983, o rio Itajaí-Açu voltou a subir. Foram necessárias apenas 58 horas para ele passar de 2 para 15,46 metros. Não foi uma enchente tão longa como a de 1983: em quatro dias a água baixou para 8 metros.

Blumenau voltava a um cenário de destruição e prejuízos. Mas o prefeito da época, Dalto dos Reis, decidiu dar uma alegria ao povo que tinha passado por duas grandes enchentes em anos consecutivos.  A 1ª Oktoberfest estava programada para acontecer.

Prefeitura de Blumenau ficou ilhada durante as cheias de 1984 . Foto: Arquivo Histórico de Blumenau

“Diziam que eu estava transformando velório em bailão. Eram muitas discordâncias e críticas sobre a realização da primeira Oktoberfest em Blumenau”, comenta o ex-prefeito. A maior festa alemã das Américas estava programada para acontecer em 1983. Porém, devido às enchentes, acabou sendo cancelada.

A prefeitura começou a ser cobrada pela população sobre a realização da festa. Dalto já havia sinalizado que manteria a programação, mas havia muita controvérsia sobre a conveniência de fazer ou não a festa. “Um dia, inesperadamente, um cidadão invadiu meu gabinete. Ele simplesmente chutou a porta e entrou”, conta.

O invasor, traumatizado com as grandes cheias dos últimos dois anos, questionou o prefeito se ele teria coragem de fazer um baile para dançar em cima dos mortos. “Passei várias noites sem dormir, atormentado pelo dilema de fazer ou não fazer a festa”, recorda.

Mas, apesar de todas as críticas e controvérsias, a festa aconteceu e foi um sucesso. Mais de 100 mil pessoas estiveram presentes. Em cinco edições, o público da festa já tinha atingido um milhão de visitantes.  

Por Luciano Cerin

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