Instituições religiosas realizam cerimônias com Ayahuasca, também conhecida como “chá do Santo Daime”
Grasieli Rigo
Apesar do nome de difícil pronúncia, a Ayahuasca nada mais é do que um chá produzido com plantas nativas da Amazônia. A bebida, que pertence culturalmente aos povos indígenas da bacia amazônica, nas últimas décadas ganhou espaço no país, chegando até Santa Catarina.
O uso da Ayahuasca tem sido cada vez mais difundido por várias comunidades com a promessa de curas físicas e espirituais. A utilização da bebida, por lei, está restrita às práticas religiosas. As experiências de usuários em Santa Catarina são variadas, com estudos científicos documentando os principais efeitos da igestão da bebida. Saiba mais sobre o uso da Ayahuasca no Estado, a origem das ervas que são utilizadas no seu preparo e quem está autorizado a ingerir a bebida.
Medicina alternativa: um dos fatores de disseminação da Ayahuasca
A busca por qualidade de vida tem feito aumentar a procura por medicinas alternativas como fonte para o alcance do bem-estar. Entre as diversas propostas terapêuticas que fogem da medicina tradicional, tem crescido no país e no Estado o consumo da Ayahuasca. O chá, obtido a partir de duas plantas amazônicas (o cipó jagube, de nome científico Banisteriopsis caapi, e o arbusto chacrona, Psychotria viridis.), tem sido utilizado no contexto de práticas e rituais espirituais que visam a cura de problemas físicos e emocionais.
O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) regulamenta o uso do chá para fins religiosos, conforme consta na resolução N° 1, publicada em janeiro de 2010, no Diário Oficial da União. De acordo com a resolução, o cadastramento das entidades que se utilizam do chá é facultativo até o momento.
Recentemente, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 170/20, de autoria da deputada Jéssica Sales (MDB-AC), que propõe a validação jurídica das instituições religiosas que fazem o uso do chá, a fim de que estas sejam protegidas pelo Estado, conforme informações publicadas no site oficial da Câmara.
A utilização do chá em Santa Catarina tem sido feita por comunidades neo ayahuasqueiras – termo utilizado pela antropóloga Bia Labate em seu livro “A Reinvenção do Uso da Ayahuasca nos Centros Urbanos”. O termo é empregado por ela, que é doutora em Antropologia Social, em referência a grupos de diferentes matizes religiosas que trabalham com a ingestão do chá.

Esse é o caso de movimentos neopagãos, institutos xamânicos, centros espíritas e terreiros de umbanda que combinam a sua doutrina com o uso da Ayahuasca. Segundo Bia Labate, estes locais utilizam o chá de origem amazônica como recurso potencial para expandir a consciência humana.
Muitas pessoas que consomem o chá, segundo pesquisadores do tema, relatam a experiência de passarem por uma evolução espiritual, algo que transcende os benefícios físicos da ingestão da bebida que foram comprovados pela ciência.
Este é o caso de Fernanda Petter, que faz o uso da Ayahuasca no Espaço Elo Sagrado, na cidade de Concórdia. Ela conta que chegou até o chá por curiosidade, mas que depois de vivenciar os efeitos da bebida, afirma que a Ayahuasca transformou a sua vida. “Pessoas próximas, até familiares, realizavam o rezo (assim chamados os rituais xamânicos) em lugares de confiança e credibilidade. E várias pessoas já estavam sendo beneficiadas com a maravilha que é ter a Ayahuasca nas suas vidas”, narra Fernanda.
Para ela, o chá é uma ferramenta de autoconhecimento e aprendizado:
“(Com a bebida consegui) aprender a respeitar a vida e lembrar que somos feitos de amor. Tudo isso a Ayahuasca traz, a consciência do quão grande é a nossa existência nesse mundo, de todas as oportunidades que temos para aprender, aproveitar e compartilhar coisas boas com as pessoas ao nosso redor. ”
Entusiasta do uso da Ayahuasca, Fernanda afirma que o chá lhe permitiu uma consciência maior do que estava acontecendo em sua vida. “É incrível! É falar e se emocionar quando a gente se lembra dos benefícios”, finaliza.
Ayahuasca e o poder de cura espiritual
A complexidade do entendimento espiritual deste chá requer na maioria das vezes, segundo a terapeuta holística Maria Lisboa, um suporte para quem se propõe a viver essa experiência. Maria é de Balneário Camboriú, e atende pessoas que se interessam em conhecer a Ayahuasca.
“Sempre depois de uma cerimônia, muitos me procuram cheios de dúvidas”, comenta a terapeuta que auxilia e organiza rituais com a medicina da floresta. “Eu acompanho os mestres, os xamãs, os pajés que vêm aqui fazer cerimônias. Sempre procuro trazer pessoas com bastante conhecimento da medicina. Trago sempre índios de tribos da Amazônia e do Peru”, complementa.
A terapeuta holística também ressalta os benefícios do chá. Segundo ela, esses benefícios vão além da questão espiritual. “A Ayahuasca oferece tanto curas físicas como emocionais e espirituais, auxiliando nos processos internos do dia a dia. Traz mais centramento, melhora a capacidade de comunicação, de aprendizado, melhora o relaxamento, o sono durante a noite, é excelente para essa questão da insônia. Nos traz entendimento da vida, nos dá muitos insights poderosos, ajuda muito as pessoas que querem se libertar de vícios, da depressão, de ansiedade”, conta.
Estudos comprovam os benefícios da Ayahuasca à saúde física
As propriedades da Ayahuasca seguem sendo estudadas por diversas áreas da ciência, como a neuroquímica e a farmacologia. Alguns destes estudos já atestaram benefícios relativos ao avanço na recuperação de pessoas com dependência química e transtornos mentais.
Esse é o caso do estudo realizado pela Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP), em Caçador, pelos pesquisadores Guilherme Cesconetto, Tathiana Gelinski, Marcos Henning e Patrícia Santos. A base do estudo, que comprovou resultado positivo do potencial terapêutico da Ayahuasca, foi uma pesquisa feita em forma de entrevista com voluntários entre 24 e 52 anos, que fazem uso do chá regularmente nos institutos xamânicos que frequentam.
O artigo publicado pelos pesquisadores em 2014 cita que entre as experiências relatadas, destacaram-se as seguintes:– ampliação dos sentidos, como visualizações,– ampliação da audição e olfato,– lembranças do passado, revivência de situações do passado,– melhora de problemas de visão,– melhora de insônia crônica, de ansiedade e de depressão,– diminuição da agressividade,– abandono de drogas.
Em contrapartida, o estudo também identificou entre os efeitos imediatos, os seguintes aspectos:– alteração da percepção,– ativação do córtex visual primário,– rápidas alterações dos estados emocionais: euforia, pânico, apatia, alterações na memória e no pensamento– estranhas sensações corporais,– alterações nas percepções de formas, cores, sons, sinestesias– alucinações com alterações auditivas, olfativas e visuais.
Todos esses efeitos de alterações após a ingestão do chá, segundo os pesquisadores, são desencadeados pela dimetiltriptamina – substância psicoativa encontrada nas folhas da chacrona. A dimetiltriptamina gera divergências por ser a mesma substância que compõe o psicodélico conhecido como DMT, um alucinógeno ilícito.
Enquanto alguns questionam os efeitos adversos provocados pela dimetiltriptamina na Ayahuasca, adeptos do chá, como Rafael Fael, dirigente do Espaço Caban em Joinville, defendem que a bebida não pode ser classificada como alucinógeno porque possui uma baixa quantidade de dimetiltriptamina.
Onde é produzida a Ayahuasca que chega em Santa Catarina?
Rafael Fael conta que o chá servido às pessoas no Espaço Caban é produzido no Ceará. Foi lá que ele iniciou seus estudos na área em 2013, junto ao grupo Cultura e Medicinas Ancestrais dos Povos Indígenas. O dirigente do espaço terapêutico comenta que, no futuro, a produção do chá também poderá ser feita no estado. “Já temos algumas mudas de chacrona e jagube plantadas por aqui (em Santa Catarina)”, revela.
Alguns espaços que servem o chá no Estado recebem a Ayahuasca trazida da cidade de Cruzeiro do Sul (AC).
Quem pode fazer o uso da Ayahuasca?

A possibilidade de utilização do chá varia de espaço para espaço. Alguns permitem a ingestão por crianças e gestantes, enquanto que outros locais possuem regras que restringem a Ayahuasca para alguns grupos de usuários.
Como o chá possui substâncias que atuam diretamente no sistema nervoso, Rafael nos alerta sobre algumas ressalvas que ele considera importantes na ingestão da Ayahuasca. “Existem algumas restrições para pessoas que tomam medicamentos controlados. Hipertensos, também, devem receber um cuidado especial nas cerimônias. Pessoas com esquizofrenia também são proibidas de participar”, explica o dirigente do Espaço Caban.
As ressalvas são para evitar casos como o de Giancarlo Michielin de 25 anos, que recentemente participou de um ritual com a ingestão da Ayahuasca em um local não divulgado, onde não obteve uma experiência positiva. Giancarlo conta que tem depressão desde os 15 anos, e desde então, faz uso de medicação controlada. Ele chegou até a Ayahuasca como muitas pessoas chegam: pela curiosidade. “Sempre tive muita curiosidade em experimentar (o chá). Além disso, era uma busca por uma cura, uma conexão comigo mesmo, que eu já tinha visto em diversos relatos.”
Giancarlo revela como se sentiu durante o ritual: “Era como se eu estivesse em um sonho, eu me via como um mendigo sentado na rua, abandonado, numa decadência total (…) um sentimento de solidão, de violência, de desconexão com o mundo e com as pessoas, e nessa situação eu vomitei várias vezes (…) aquilo era muito desesperador, e eu sentia uma sensação horrível de desconforto físico e frio”.
Após o ritual com Ayahuasca, e sem fazer uso da medicação controlada, ele concluiu que não obteve os benefícios esperados, e que o chá somente potencializou os distúrbios que já existiam. Quando questionado se voltaria a ingerir o chá, Giancarlo diz que não, e que optou pela medicina tradicional. “Depois disso (do ritual com Ayahuasca) procurei a minha psiquiatra, contei o que havia acontecido e voltei a tomar medicação controlada”, relata o jovem.
Para evitar que casos como esses aconteçam, Maria Lisboa explica o processo adequado para quem conduz rituais com a Ayahuasca, e para quem se interessa em conhecer a medicina da floresta:
“Eu aconselho a todas as pessoas que tem interesse, que procurem alguém com conhecimento para estarem conversando, se inteirando bem do assunto para ver se tem condições ou não (de tomar o chá). Eu nunca agendo ninguém para uma cerimônia antes de conhecer bem a pessoa, e fazer um pré-agendamento, uma conversa, para saber quais os interesses da pessoa, se ela tem alguma doença, algum distúrbio (…) aí depois de uma anamnese, se estiver tudo ok com a pessoa, sirvo a medicina.”
Entre as pessoas restritas ao uso da Ayahuasca, Maria também concorda com Rafael: “Pessoas com síndrome do pânico, com históricos de transtornos mentais, bipolar, não é aconselhável (fazerem uso do chá). Aqueles que estão fazendo uso de medicação controlada (como é o caso do Giancarlo) também devem parar a medicação e aí sim consagrar (ingerir) a medicina. E depois, se achar necessário, voltar a fazer o uso da medicação de novo. Mas durante o uso da medicação controlada, não fazer o uso da Ayahuasca.”.
Quanto às gestantes, Rafael recomenda que mulheres em início e final de gestão devem ter cuidados especiais. “Em início, cuidar com a quantidade que consagra e, em final da gestação, não permitimos a participação nas consagrações devido ao risco de ter que fazer um parto na força (sob os efeitos) da medicina”, observa.
O que o grupo de trabalho do Conad estabeleceu sobre o uso da Ayahuasca
Em novembro de 2004, o Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad) criou um Grupo Multidisciplinar de Trabalho para fazer o “levantamento e acompanhamento do uso religioso da Ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua utilização terapêutica”.
O objetivo final do grupo, oficialmente formado em 2006, foi a elaboração de um documento que traduzisse o uso da Ayahuasca e que prevenisse o uso inadequado desta bebida. De acordo com o grupo de trabalho, o uso correto da Ayahuasca no contexto religioso assegura a proteção “da liberdade de crença prevista na Constituição Federal”.
O relatório final do grupo ressalta ainda que o uso religioso da Ayahuasca é uma manifestação cultural “rica e ancestral”. Em seguida, o documento afirma que “devem-se evitar práticas que possam pôr em risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se aí o uso da Ayahuasca associado a substâncias psicoativas ilícitas ou fora do ambiente ritualístico”.
O plantio, o preparo e a ministração da Ayahuasca, portanto, segundo o grupo de trabalho do Conad, está restrito ao caráter religioso e é incompatível com a finalidade de obtenção de lucro. “Quem vende Ayahuasca não pratica ato de fé, mas de comércio, o que contradiz e avilta a legitimidade do uso tradicional consagrado pelas entidades religiosas”, consta no documento.
Por outro lado, explica o grupo de trabalho, os custos envolvendo o plantio, a coleta das plantas, seu transporte e o preparo da Ayahuasca devem ser “suportados pela comunidade usuária”. Ou seja, não é permitido o lucro e a comercialização da Ayahuasca, apenas as contribuições dos membros de cada entidade religiosa.
O relatório final do grupo de trabalho ainda comenta que o “turismo, como atividade comercial, deve ser evitado pelas entidades, que por se constituírem em instituições religiosas, não devem se orientar pela obtenção de lucro, principalmente decorrente da exploração dos efeitos da bebida”.
Finalmente, referente a este documento produzido pelo grupo de trabalho do Conad, vale citar o seguinte trecho: “A prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira. As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca – que as entidades conhecem e atestam – requerem uso responsável e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda e qualquer propaganda que possa induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos”.
Reportagem atualizada no dia 27/05, quando foi retirada da reportagem a participação de uma fonte que trabalha com a disseminação da Ayahuasca em Santa Catarina por sua atuação levantar controvérsias. Também foram acrescentadas informações sobre o trabalho do Grupo Multidisciplinar da Ayahuasca criado pelo Conad. Vale esclarecer que as fotos que ilustram esta reportagem foram feitas no Instituto Espiritual Xamânico Céu Caminhos do Amor pela repórter em uma ocasião distinta da apuração desta matéria. Neste espaço, a ayahuasca não é servida para crianças, apenas para adultos. O local permite apenas que crianças acompanhem os responsáveis durante as cerimônias, sem que o chá seja servido para elas.
Consagro essa medicina sagrada a mais de 5 anos. Quem consagra querendo sustentar seu próprio ego, errou! Saibam que a medicina é considerada sagrada, pois nos projeta para a espiritualidade, junto a nossos mentores espirituais. Não é um processo de elogios próprios, auto centrismo, muito pelo contrário, a espiritualidade nos mostra a realidade que não queremos ver no dia-a-dia. Muitas pessoas já vi sendo curadas de depressão e ansiedades, porém, o essencial é querer ser curado! E no mais, Ayahuasca é um processo em que você deve consagrar constantemente, pois faz parte do processo de evolução pessoal do indivíduo. Se o individuo relatado acima, não conseguiu a cura na sua primeira sessão, deveria experimentar mais vezes…pois só recebe a cura carnal quem está curado espiritualmente!
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