Ter uma religião e vivê-la de forma livre, falando abertamente sobre sua fé e crenças sem medo de ser excluído, criticado e até agredido, é privilégio da maioria dos brasileiros. Segundo dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 86% da população se declara cristã.
Em Blumenau (SC) o cenário não é muito diferente. Além de católicos, luteranos e evangélicos de diversas denominações, há praticantes de religiões como Umbanda, Candomblé e Espírita. Segundo o IBGE, essas três religiões juntas representam pouco menos de 2% do total de blumenauenses.
Muito embora a liberdade religiosa seja protegida pela Constituição Federal de 1988 e atos de intolerância e racismo religiosos sejam considerados crimes, ataques a religiões minoritárias são comuns. Contudo, a quantificação dessas ocorrências é muito difícil.
Esse crime é catalogado com outros crimes de injúria qualificada, como ofensas pela cor, orientação sexual, idade, etc. Se o software das delegacias comportasse uma simples funcionalidade de contabilizar esses números, teríamos assertividade estatística”, explica a assistente da 9ª Promotoria de Justiça da Comarca de Blumenau, Karina Lunelli.

Além disso, muitas vezes a intolerância religiosa não chega até a polícia. Em alguns casos, o que ocorre é a exclusão de pessoas que seguem certas religiões do convívio social.
Foi o que aconteceu com Isete Valindolfo, que é espírita. Seus pais eram católicos e ela foi batizada na Igreja Católica. Após anos ativa na comunidade, Isete se converteu ao Espiritismo, o que causou desconforto e promoveu preconceito a ela e sua família.
Isso aconteceu de imediato! Como eu era cabeleireira, muitos clientes se afastaram. Minhas filhas sofreram certo preconceito nas escolas em que cursaram, porém jamais se envergonham diante das adversidades e nunca negaram serem espíritas”, desabafa.
A umbandista e mãe de santo Gislaine Hisatugo tem um terreiro de Umbanda em Echizen-shi, no Japão. E mesmo do outro lado do mundo, o preconceito a persegue. “Sofro quase diariamente, e os ataques vêm de todas as formas, direta ou indiretamente. Até de bruxa já fui chamada”, conta.
E foi a casa de Umbanda da mãe Gislaine, lá no Japão, que a indaialense Gabriela Baldussi se encontrou na Umbanda. Apesar de ter sido batizada na Igreja Católica, ela afirma que nunca se encaixou muito bem na religião. Sua conversão não foi bem aceita por alguns amigos e familiares, principalmente pela mãe.
Em Indaial – SC, Pai Pepe de Otolu é sacerdote da Casa de Caridade Baiano Zé Pilintra e Caboclo Tupinambá. A casa cultua as religiões de matriz africana Umbanda e Candomblé.




Pai Pepe de Otolu nos concedeu uma esclarecedora entrevista sobre as religiões de matriz africana e racismo religioso através de um podcast. Ouça!
Roger da Silva é universitário e cresceu na Igreja Católica. Na adolescência, conheceu a Umbanda através de uma amiga. Frequentaram alguns vezes até a conversão acontecer, em um período que não foi fácil para o estudante.
Além de ser gay, eu estava me tornando Umbandista. Na época, foi um baque para minha família, principalmente para minha mãe e irmãs. Isso porque a Umbanda é muito associada com a questão de demônio e satanismo,” diz.
Com o passar do tempo, a família de Roger foi atrás de informações sobre a Umbanda e, inclusive, algumas pessoas se identificaram com a religião. Atualmente, a Umbanda está presente na família de Roger e no seu dia a dia.
O respeito vence!
Casos de tolerância que nos trazem esperança.
O pai de Santo Jose Mafra frequenta a casa de Umbanda Luz Divina, na Itoupava Seca, em Blumenau. Ele revela que nunca sofreu preconceito e nunca alguém se afastou dele por conta da sua religião.

Particularmente, não conheço alguém que tenha sofrido preconceito por ser da Umbanda. Já ouvi falar que existe, mas nunca tive esse problema. Sou vizinho de evangélicos e o nosso terreiro fica em frente a uma igreja evangélica. Sempre existiu uma relação de respeito recíproco”, afirma.
O pastor Antonio Março Cesar prega na igreja evangélica ABA – Aliança Bíblica de Avivamento, na Itoupava Norte, em Blumenau. Ele revela que cresceu em uma família Umbandista e que sua avó era mãe de Santo.
Todos temos o direito de exercer sua fé de maneira livre e sem julgamentos; mas espiritualmente, à luz da Bíblia, amamos e oramos para que possam encontrar a Cristo”, afirma o pastor.

O padre Marcelo Martendal é pároco da Paróquia Catedral São Paulo Apóstolo, em Blumenau. Ele reconhece que o Brasil foi construído culturalmente com a contribuição de variados povos e, atualmente, isso se expressa de diversas maneiras, e uma delas é pela religião.

Como cristãos, devemos escolher o caminho do diálogo, da fraternidade e da liberdade religiosa. O livre exercício da religião é assegurado por lei, sendo também uma das bases para a construção da paz. Nessa perspectiva, podemos viver juntos, acolhendo e respeitando as diferenças do outro, enxergando-os como irmãos. Mesmo com a clareza de que cada religião é uma, de que não são tudo a mesma coisa”, declara.
A evangélica Maeli Schmidt, que frequenta a Igreja Adventista do Sétimo Dia, confessa que nunca teve curiosidade sobre as religiões de matriz africana. Já sobre a religião espírita, comenta que conhece os trabalhos que realizam em prol da sociedade, com ações que ajudam os mais necessitados, e isso é algo que ela admira.
Há coisas em que eu não acredito, mas está tudo bem! As pessoas buscam lugares onde elas se encaixam e o que preenche o coração delas”, diz Maeli, que afirma não possuir preconceito algum em relação às religiões de matriz africana e espírita”.

Combata a intolerância!
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