Em Blumenau, 245 crianças com alguma deficiência fazem parte do ambiente escolar infantil na cidade
Há vários fatores que podem dificultar o processo de inclusão de crianças com deficiência nas escolas. As barreiras podem estar na estrutura física, na falta de professores com formação para atender essas crianças, em problemas de acessibilidade ou até mesmo na dificuldade para se obter um diagnóstico que comprove que o aluno tenha algum déficit de aprendizagem. Na cidade de Blumenau, conforme dados da Secretaria Municipal de Educação (Semed), há 245 crianças de 0 a 5 anos com alguma deficiência matriculadas nos Centros de Educação Infantil (CEI) da cidade. Destas, 173 são autistas.
Uma delas é o pequeno Davi, que foi diagnosticado com autismo severo aos três anos de idade. A mãe do garoto, Jéssica Pereira Lemke, conta que os primeiros anos foram bem complicados. Confira a história completa a seguir:
Para a inclusão de Davi na escola, o papel de Jéssica e do marido, Diego Lemke, foi fundamental. Ela aponta que os pais têm que saber lidar com a situação, pois muitas vezes o filho acaba sofrendo bullying, ou situações que geram desconforto, e assim, não quer mais voltar para as aulas. Segundo ela, os pais têm que se manter firmes durante este processo, pois a instabilidade familiar também pode acabar afetando este período da educação.
“Uma coisa que não podemos fazer é querer proteger nosso filho colocando-o em uma caixinha, não deixando ele fazer nada só por conta do autismo. Quando eu descobri a doença do Davi foi como um luto, fiquei imaginando que meu filho não poderia ser nada, mas hoje é totalmente diferente: ele fala, brinca, faz travessuras. É o filho que pedi a Deus!”, comenta.
Atualmente com seis anos, Davi vive como uma criança normal, graças ao canabidiol e à oxcarbazepina. “Nossa vida virou outra, o convívio dele na escola melhorou 80% em todos os aspectos, agora ele tem amiguinhos, brinca, escreve, vai no parquinho e ama ir para a escola. Ele ainda se coça às vezes e fica agitado, mas nada como antes.” explica Jéssica.
Dados
Um levantamento feito em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que cerca de 6,7% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, considerando nesta porcentagem somente as que possuem grande ou total dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou alguma deficiência mental.
Em Blumenau, segundo dados da Semed, depois do Transtorno do Espectro Autista (TEA), as deficiências mais frequentes nos Centros de Educação Infantil são a intelectual, a física e a deficiência múltipla.
Dificuldades na área da educação
No total, os CEIs de Blumenau têm 150 professores de apoio, em média um para cada dois alunos. Lenira Hawerrroth é professora de apoio pedagógico da Escola Básica Municipal Professora Zulma Souza da Silva, onde atua com estudantes com autismo e com dificuldade ao falar.
“Nossa escola possui uma estratégia que acho bem bacana, que é preparar os estudantes quando sabemos que vamos receber um colega especial, um cadeirante, por exemplo, ou mais um estudante com autismo. Quando o aluno chega até a escola é acolhido de igual forma, sem diferença,” diz.
Para Jucylene Regina Alberto dos Santos, professora regente do 4º ano, a maioria dos docentes da escola entende que a inclusão no ambiente educacional precisa da parceria da família. Ela comenta que é fundamental que a equipe gestora entenda que o aluno é da instituição, e não da professora.“É necessário professores habilitados, além de uma família parceira. Na atual escola que atuo, posso dizer que encontro tudo isso e o resultado é a qualidade da inclusão,” afirma.

Lenira comenta que durante a carreira teve dificuldades no relacionamento profissional com outros professores regentes, que acham que o estudante é exclusivo só do professor de apoio, e com a família de alunos, mas que nos últimos anos esses problemas estão sendo resolvidos.
“Posso falar que atualmente existe uma ótima parceria com os professores, antecipando os conteúdos para que eu possa adaptar, além da família auxiliando em todos os momentos, com trocas quando necessário. É uma barreira que estamos quebrando aos poucos”, explica.
Assim como a gestão da escola e a família, o professor também tem um papel importante para o processo de inclusão no ambiente escolar. Para Lenira, o educador deve promover um ensino igualitário e sem generalizar. “Todos têm o direito ao ensino de qualidade, acreditar no potencial dos estudantes, criar estratégias e métodos de ensino e adaptar os conteúdos de forma que possa participar, independentemente das especificidades, fazendo com que ele supere barreiras, sentindo-se realmente parte de um todo”, explica.
Jucylene concorda e diz que, além das ações pedagógicas feitas para a aprendizagem e interação dos alunos especiais com os demais alunos, é necessário que os professores regentes antecipem este planejamento para o professor de apoio.
“Como professor regente, a antecipação do planejamento para o professor de apoio também é fundamental para a individualização das ações pedagógicas que garantam a aprendizagem e a mediar a interação do aluno especial com os demais alunos.”
Jucylene Regina Alberto dos Santos
Em Blumenau, os professores de apoio da rede municipal de ensino têm formação continuada mensal, em diferentes temáticas. Mas a capacitação não deve se limitar ao docente. Os demais colaboradores da escola precisam estar preparados para atender aos estudantes e à família.
“Como o estudante pertence a toda comunidade escolar, todos devem ter conhecimento sobre o assunto, muito diálogo entre os parceiros de trabalho e em parceria com as famílias”, ressalta Lenira.
Estratégia de inclusão na educação
A inclusão de pessoas com deficiência na educação é uma prioridade desde a década de 1990, época em que reformas no ensino na América Latina marcaram um amplo movimento de discursos sobre os direitos de educação para todos. A professora e pesquisadora do programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Regina Celia Linhares Hostins, explica que de lá para cá é possível perceber mudanças positivas.
“Esses estudantes têm conseguido espaços nas escolas, especialmente na educação básica e agora no ensino superior. Essa é uma luta de muito tempo e as conquistas que se têm hoje ainda apresentam grandes desafios para todos nós, sejam pesquisadores, educadores e as próprias pessoas com deficiência que cada vez mais têm participado do processo e lutado, não só pelo direito de acesso, mas principalmente na participação dele e o sucesso na escola,” comenta.
Regina reforça que, quando se fala em educação inclusiva, leva-se em conta não somente o acesso, mas também a participação, aprendizagem e o pertencimento ao grupo. Ela comenta que isso não depende só de políticas públicas, mas também de uma mudança de cultura.
“A inclusão passa muito por isso: uma mobilidade de postura de pensamentos em torno dessas pessoas, de forma a superar as perspectivas muito faladas e que ainda permanecem, como as crenças de incapacidade de aprender. Para mim, este é o principal desafio, conseguir superar e observar todo o potencial de aprendizagem que esse sujeito tem e que a gente consiga mudar essa visão em torno das pessoas com deficiência”, ressalta.

Nos dias atuais, estratégias que podem auxiliar neste processo fazem uso da tecnologia a favor da educação e aprendizagem. A tese “Eu fiz meu game: um framework para a criação de jogos digitais para crianças” foi desenvolvida em uma pesquisa de doutorado em educação e foi conduzida em uma escola municipal de Itajaí, onde foram feitas oficinas de jogos digitais com quatro crianças do ensino fundamental durante oito meses. Entre elas, havia duas crianças com deficiência intelectual: uma delas associada ao autismo.
A professora e pesquisadora de Pós-graduação em Educação da Univali, Adriana Gomes Alves, trabalhou com a professora Regina nessa tese. Ela explica que, durante a pesquisa, as crianças participaram de vários processos de criação de jogos, desde aprendizagens, como conceitos e atividades de jogar, e aos poucos foram construindo o que aprenderam para criar um jogo digital, para o desenvolvimento da criatividade das crianças.
“Com essas atividades feitas com elas, desenvolvemos um jogo de forma coletiva e implementamos esse produto, a parte de código foi feita por um acadêmico de Engenharia de Computação. Fizemos testes e a tese documenta todo esse processo. Então a partir da prática na instituição nós utilizamos o design business research, que é uma abordagem que permite fazer uma pesquisa de campo e construir um produto,” explica Adriana.

Adriana diz que foi a partir dessa metodologia que eles desenharam o processo, que pode ser replicado em outras escolas, o que já aconteceu duas vezes. Com essa explicação em mãos, a equipe ou os professores podem saber os passos necessários para construir jogos digitais com crianças, que tem como objetivo principal usar a tecnologia a favor do desenvolvimento intelectual e do trabalho coletivo.
A professora Regina comenta que, para além dos jogos e das estratégias, o professor deve criar grupos de trabalhos que sejam mistos e que possibilitem essas crianças a colaborar e cooperar no desenvolvimento do projeto.
“É importante que se estabeleçam estratégias que façam o sujeito pensar, se colocar diante do grupo e manifestar sua opinião, além de participar da atividade, em qualquer projeto e que efetivamente possibilita ele ser sujeito no processo de aprendizagem”, ressalta.
Foto de destaque: Marcelo Martins / PMB
Por Camila Sepka