ONG que nasceu em Blumenau luta pelo direito de todas as pessoas serem livres
Vanessa Beatriz Trapp
Há alguns anos no topo da lista de países que mais matam pessoas LGBTQIAP+, o número de mortes dessa população segue crescendo no Brasil. De acordo com o Dossiê de Morte e Violências contra LGBTI+ no Brasil, em 2021, pelo menos 316 mortes foram registradas contra a comunidade de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexo. Em 2020, foram 237 casos registrados.
Apesar das campanhas e da presença de entidades que lutam contra a homofobia, o preconceito segue presente na sociedade. Muitas vezes a discriminação tem início dentro de casa, o que faz com que muitos jovens tenham medo de se assumir por conta da reação e rejeição dos pais.
“O que pesa mais é saber que, quando escolhe ser você, quando finalmente se aceita como é e que está tudo bem nisso, em algumas famílias infelizmente você terá que pagar o ‘preço’ para ser feliz. Então as pessoas que te criaram e que deveriam te amar, na verdade, desprezam você e sua felicidade, desprezam tudo o que você representa. O que pesa é escutar ‘eu te amo sim, mas…”
Jovem de 22 anos ainda possui problemas com a família por conta da orientação sexual.
Profissionais que atuam em saúde mental, como o psicólogo Jonathan Krueger, pontuam que com o aumento de visibilidade e de conhecimento sobre o assunto, aliado a constante luta contra a homofobia, as pessoas se sentem mais confiantes para falarem sobre o assunto e se sentem seguras ao saberem que terão locais que os apoiam.
“Com certeza muitos não se assumem com medo da reação das famílias, com medo do julgamento da nossa sociedade, mas também vejo bastante evolução nisso. Eu acho que essas campanhas que são feitas, esses movimentos do LGBTQIAP+ que são feitos, são muito importantes. Tem artistas que são inspirações para as pessoas fazerem o mesmo. Então, eu acho que os jovens estão conseguindo espaço, mas ainda a gente tem que ter uma cultura da saúde mental mais voltada para isso, para que isso possa se tornar algo natural”, detalha Jonathan.
ONG Mães do Amor em Defesa da Diversidade
Uma organização não-governamental presente em grande parte do Brasil, que reflete a questão LGBTQIAP+, é a ONG Mães pela Diversidade. Ela surgiu em 2014, com o intuito de reunir mães preocupadas com o preconceito contra seus filhos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais, entre outros. Ela já existiu em Blumenau, mas o vínculo com a ONG nacional foi rompido e uma nova organização não-governamental local foi criada: a Mães do Amor em Defesa da Diversidade.
“Somos mães e famílias ativistas pelos Direitos Humanos, na defesa da livre orientação sexual, respeito às identidades de gênero e luta pela igualdade de direitos das pessoas LGBTQIAP+ na busca da cidadania plena”, explica Rosane Martins, colaboradora da ONG.

A Mães do Amor surgiu em junho de 2022 e é formada por profissionais de diferentes áreas, como advogada, educadora e pessoas da área da saúde, que juntos somam conhecimento para definir as estratégias de atuação. Além disso, visando acolher as famílias, existe um grupo que mensalmente reúne psicólogo e famílias de pessoas LGBTQIAP+ para discutir questões sensíveis de aceitação de seus filhos.
“Somos mães de pessoas LGBTQIAP+ e sabemos as dificuldades que nossos filhos passam diariamente. Dentro deste contexto vimos a necessidade de criar uma ONG que buscasse acolher e orientar famílias de pessoas LGBT que não entendem a condição de existência de seus próprios filhos, e combater a homofobia no Vale do Itajaí com diversas ações públicas”
Rosane Martins
“Somos mães de pessoas LGBTQIAP+ e sabemos as dificuldades que nossos filhos passam diariamente. Dentro deste contexto vimos a necessidade de criar uma ONG que buscasse acolher e orientar famílias de pessoas LGBT que não entendem a condição de existência de seus próprios filhos, e combater a homofobia no Vale do Itajaí com diversas ações públicas”, esclarece Rosane.
Apesar de levar apenas Mães no nome, também existem pais, tios e avós que colaboram com a ONG. Muito embora a figura materna seja aquela mais vinculada em relação aos filhos, a figura paterna, aos poucos, vem deixando de ser taxada como “insensível”, ao mesmo tempo em que se mostra aberta para prestar o suporte necessário.

“A mulher acolhe mais. Talvez o que possa justificar é a questão do homem, hoje, na nossa sociedade, ter uma cultura de não conseguir e também não expressar o que sente. A gente vê muita dificuldade no gênero masculino de poder colocar para fora, expressar as suas emoções, e isso tende a ficar rígido também na relação com os filhos, às vezes”, comenta Jonathan.
Ele acredita que essa imagem de pai rígido esteja mudando, e mesmo que a figura materna consiga se expressar mais, a procura por conhecimento sobre o assunto entre os pais tem crescido de forma expressiva. Isso pode significar que o medo do julgamento de exercer o papel de pai de maneira mais humana e sensível, esteja se modificando na sociedade masculina.
A ONG realiza reuniões mensais em grupo para acolher pais, mães, filhos, filhas e demais familiares que desejam participar das atividades do grupo. Entre as ações realizadas estão piqueniques em locais públicos, atos de protesto contra violência, promoção de palestras, suporte a famílias e pessoas LGBTQIAP+ em situação de risco e vulnerabilidade, luta por políticas públicas, em especial o Sustrans, que prevê equipes multidisciplinares para acompanhar a transição de gênero das pessoas desta comunidade.
Outro fator relevante é que conversas abertas sobre a questão LGBTQIAP+ e o acolhimento explícito podem evitar consequências que por vezes são irreversíveis, como por exemplo uso de drogas ou até mesmo o suicídio.

“O preconceito mata, se não por terceiros, fisicamente, pode ser por si ou dão um jeito de te matar por dentro. Eu sou a prova que, se eu não for uma mulher forte, eu teria outras pendências psicológicas a tratar. Em todo o momento eu preciso lembrar que eu não posso determinar que minha vida é isso. Ela vale muito mais que o preconceito, desprezo, raiva e ódio e eu mereço ser feliz e vou ser”, relata a jovem que preferiu não ser identificada.
Muitas pessoas ainda passam por situações constrangedoras e preconceituosas, dentro de casa, na rua, nos ônibus, entre os demais lugares. A seguir, relatos de dois jovens que já sentiram medo de ser quem são.