Foto: Gustavo Féo

Imigrantes encontram dificuldades com idioma e burocracias legais quando chegando em Blumenau

Uma cidade originalmente de imigrantes realmente acolhe quem vem de fora?

Gustavo Bruch Féo

Não são duas, nem cinco, nem meia dúzia. Todos os anos, milhares de pessoas chegam no Brasil vindos de diversos países africanos e sul/centro-americanos. Elas buscam uma “vida melhor” e oportunidades de empregos, mas acabam encontrando dificuldades, principalmente por conta do idioma.

É o caso da família de Josseline Charles, mãe solteira de quatro meninos: dois são gêmeos e um é surdo. Ela decidiu sair do Haiti e vir para o Brasil por conta da insegurança e problemas econômicos. Escolheu Blumenau porque uma amiga já morava na cidade. Junto com ela, veio apenas o filho mais velho, Lowenson Nestant, 17 anos.

“Meus filhos ficaram morando com um sobrinho. Já queria ter trazido eles, mas até agora as coisas estão muito difíceis. O valor que eu ganho por mês não dá para resolver os meus problemas, tenho que pagar aluguel, comida e ainda mandar dinheiro”, lamenta Josseline.

O filho dela diz que tem dificuldades para estudar por conta da comunicação com os professores. “Muitas vezes o professor fala e eu não entendo nada. Ele tenta se comunicar comigo em inglês, mas eu falo francês e kreyòl, não inglês”, relata Lowenson.

Filho de Josseline, surdo, mandou um vídeo em língua de sinais para a mãe. Vídeo: Arquivo pessoal/Divulgação/Nosso TAL

Atualmente, Josseline está trabalhando, mas diz que já passou por muitas dificuldades e precisa de dois empregos para conseguir pagar as contas e mandar dinheiro para o Haiti.

“Eu tenho dois trabalhos. No primeiro entro às 7h e saio 16h. Às 18h já começo o segundo na Vila Germânica. Chego em casa entre meia-noite e uma hora da manhã. Meu patrão às vezes pergunta se eu comi e acaba me ajudando”, diz.

O diretor e fundador da Organização Haitiano-brasileira pela Facilitação dos Processos de Integração, Evans Norelia, diz que o idioma é o principal obstáculo dos imigrantes haitianos que chegam no Brasil. Ele comenta que já ouviu relatos de haitianos que tiveram atendimento negado por médicos de Blumenau, por não conseguirem entender o que os pacientes falavam.

Durante a pandemia, em 2021, a organização precisou traduzir e divulgar as portarias estaduais que estabeleciam as regras para enfrentamento à Covid-19 para o crioulo, língua oficial do Haiti. Esses documentos afetaram diretamente o cotidiano da sociedade, já que previam as condições de trabalho adequadas para a prevenção, controle e redução dos riscos de transmissão do vírus.

A dificuldade na comunicação também reduz em muito as chances de se arranjar um emprego, como fazer uma prova ou passar por uma entrevista. Evy Dorsainvil é um exemplo disso. Nascido na República Dominicana, veio para o Brasil em 2016. Apesar de falar quatro idiomas: crioulo, francês, espanhol e português, ficou seis meses desempregado.

“Fiquei muito triste por não conseguir trabalhar quando cheguei. Um amigo me ajudava pagando meu aluguel. Tive que trabalhar entregando panfleto de manhã até de noite e ganhava R$ 50 por dia. Eu achava bastante, hoje percebo que não era nada. Nós não sabemos essas coisas no começo”, relembra.

A esposa dele e os dois filhos ficaram na República Dominicana e ele ainda tem dificuldade em ajudá-los por conta do alto custo de vida e o valor do dólar. Evy também teve problemas com a burocracia e recisou viajar até Itajaí, Florianópolis e Brasília para resolver. A igreja que ele participa ajudou com as despesas de transporte e hospedagem e, atualmente, ele traduz versos bíblicos para outros imigrantes.

Evy participando de um culto da igreja, junto com outros imigrantes. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação/NossoTal

Jachel também precisou se mudar da Venezuela para Roraima em 2016, por causa do trabalho da mãe. Antes de completar os 18 anos, ela decidiu começar uma vida nova e veio sozinha para Santa Catarina.

“No começo foi difícil, ainda sinto saudade do meu pai e estar sozinha é diferente. Hoje considero que foi fácil me adaptar em Blumenau, gostei muito da cidade, me sinto estável”, ressalta.

Santa Catarina recebe a cada ano mais estrangeiros. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, em 2015, quatro das dez cidades que mais empregaram haitianos no trabalho formal do país estavam no estado, entre elas Chapecó (680), Itajaí (579), Joinville (558) e Blumenau (401). Durante a década de 2011 a 2020, também houve aumento na emissão de carteiras de trabalho para haitianos no estado, de apenas quatro carteiras em 2011, cerca de 2,2 mil foram emitidas até maio de 2015.

No caso dos refugiados, que são pessoas que tiveram que deixar o próprio país por causa de guerras, conflitos, catástrofes ou algum tipo de perseguição ou violação de direitos humanos, a Coordenação-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados (CG-Conare) reconheceu em 2021 cerca de 3,1 mil pessoas com o status de refugiado no Brasil em 2021. Desses, cerca de 2,4 mil da Venezuela. O Ministério da Cidadania também aponta que em torno de 10 mil refugiados vieram para Santa Catarina em 2021.

Mão de obra barata

O campus de Gaspar do Instituto Federal de Santa Catarina (Ifsc) realiza pesquisas sobre a presença de estrangeiros no estado. Um dos estudos aponta que cerca de 4,5 mil venezuelanos residem na região de Blumenau, que também possui muitos haitianos, que foram trazidos para trabalhar em empresas no estado.

“Após o terremoto no Haiti em 2010, o Brasil oferecia uma entrada facilitada no país para os refugiados e a maioria se estabeleceu no Acre. Empresas catarinenses, em busca de mão de obra barata, trazem as primeiras grandes quantidades de haitianos para o estado”, afirma Ana Paula Silveira, diretora do campus e coordenadora do projeto Acolhimento e inclusão social a refugiados e imigrantes.

Desde 2012, o projeto auxilia imigrantes no processo de adaptação cultural e na facilitação dos processos jurídicos. Atualmente, eles contam com cerca de 200 imigrantes que estudam português e 30 mulheres haitianas, venezuelanas e brasileiras que fazem parte do grupo “Mulheres Sim”.

O projeto foi vencedor do Prêmio ODS Santa Catarina. Foto: Movimento Nacional ODS/Arquivo Pessoal/Divulgação/NossoTal

O projeto também envolve os próprios alunos do ensino médio-técnico do Ifsc, que auxiliam os imigrantes durante as atividades. É o caso de Maria Luiza Dix Reis, que participou em 2019 e hoje é voluntária da Unicef. Ela conta que a experiência foi gratificante e decisiva para a escolha do curso de ensino superior.

“Desenvolvi projetos de pesquisa e extensão para a comunidade imigrante e participava das aulas e da escrita dos projetos. Me aproximei bastante da área dos direitos dos refugiados, por isso escolhi optar pelo direito e pedagogia”, aponta.

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