Pobreza menstrual: o tema pelo olhar de quem estende a mão a quem precisa

Campanhas arrecadam absorventes para mulheres que não têm acesso aos itens de higiene pessoal

Onde há fome, há pobreza menstrual. A afirmação é unânime entre as mulheres que decidiram ajudar quem passa por essa situação em Blumenau. Mesmo que não seja fácil visualizar essa realidade quando se passeia pelos pontos turísticos do Centro Histórico, pela região da Vila Germânica ou quando se dá uma volta na Alameda, a pobreza também é uma realidade na tradicional cidade germânica do Vale.

O absorvente é um item de higiene básico para as mulheres, cuja falta pode ocasionar uma série de problemas de saúde. Ainda assim, faz parte da realidade de algumas pessoas em situação de pobreza ter que improvisar, com papel ou pedaços de pano, um produto para conter o sangue menstrual. Onde não há dinheiro para garantir o pão de cada dia, também não há dinheiro para garantir absorventes.

“A situação de pobreza menstrual em Blumenau é muito mais comum do que se imagina”. A afirmação é de Márgara Hadlich, atriz e artista plástica que há 10 anos faz trabalho voluntário e mantém o perfil “Ajudando o Próximo em Blumenau” nas redes sociais.

Entre as mais de 8,4 mil famílias atendidas por ela, cerca de 70% são de mães solo, que criam seus filhos sozinhas. De acordo com Márgara, a maior parte delas não tem absorventes para o período menstrual, porque não tem nem o que comer. Apesar de ganharem auxílio governamental, a ajuda não é suficiente para sustentar o lar com vários filhos e adquirir os produtos necessários para a higiene íntima feminina.

“E não são apenas as mães que ficam sem os absorventes, as filhas mulheres também. As periferias, os apartamentos do Minha Casa Minha Vida são redutos dessas famílias em alta vulnerabilidade social e em situação de pobreza menstrual”, afirma Márgara. 

Relatos de quem vive o problema 

Entre tantas histórias, ela conta que atende *Olívia, uma senhora de 74 anos, e a neta *Rafaela, uma menina de 11 anos criada pela avó. De origem humilde, a situação financeira da senhora piorou quando sofreu um golpe em que roubaram sua aposentadoria. O dinheiro que tem é pouco para pagar o aluguel e as despesas, por isso, muitas vezes a neta deixa de ir à escola por estar no período menstrual. 

Já *Cátia, moradora de Blumenau, tem oito filhos, e quatro deles são meninas. Também é recorrente que elas faltem à aula por não terem absorventes para segurar o sangue da menstruação. 

“Há casos de mulheres adultas que não vão a lugar algum durante o período menstrual porque têm que usar um pano inadequado, uma toalha de banho cortada, entre outras situações”, conta Márgara. 

Mas e se não tiver absorvente? 

Márgara explica que muitas mulheres acabam adquirindo infecções na região íntima por falta de higiene adequada. 

“Isso gera um custo muito maior para o poder público, porque aí essas mulheres vão para o SUS fazer tratamentos e uso de medicamentos. Isso é muito grave. Uma forma muito mais correta e barata de resolver essa situação é distribuindo os absorventes gratuitamente”, opina. 

De acordo com o relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, publicado em maio de 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), a pobreza menstrual pode causar problemas como alergia e irritação na pele e mucosas, infecções urogenitais como cistite e candidíase, e até uma condição que pode levar à morte, conhecida como síndrome do choque tóxico. Na saúde emocional, essa condição pode causar desconfortos, insegurança e estresse. 

Já a ginecologista Katia Sylvana, que atende pacientes em Blumenau, considera que a falta de água para banho, escovação dos dentes e saneamento básico são problemas mais graves e que podem prejudicar mais a saúde. “A falta de material para higiene no período menstrual causa mais constrangimento do que doenças”, opina. 

Segundo o relatório, a garantia de acesso a sanitários seguros e limpos durante a menstruação é essencial para prevenir essas infecções e outras doenças causadas pelo uso contínuo de um absorvente. 

A estudante Maria Eduarda Poleza, que iniciou a campanha de arrecadação “Absorvendo Necessidades”, recebe os mesmos relatos de problemas de saúde das mulheres que atende. 

Situação pode causar constrangimento. Crédito da imagem: Isabella Cremer

“Gente para doar é o que não falta” 

Entre as pessoas que precisam das doações, está *Sônia. A estudante conta que *Sônia usava folhas usadas de cadernos antigos das filhas para segurar o sangue. Uma vez ela teve uma infecção urinária tão grave que precisou usar uma sonda três vezes. Sônia é empregada doméstica, e recebe as doações garantidas com a campanha de Maria Eduarda. 

A estudante começou a auxiliar a causa atendendo uma mulher que veio do estado do Pará após ser esfaqueada pelo marido. Só com a roupa do corpo, *Suzana veio a Blumenau com a irmã, a filha e o sobrinho, e chegou a trocar o celular por dinheiro em uma estação de metrô de São Paulo por um preço ínfimo para ter condições de seguir viagem. Em Santa Catarina, ela esperava se ver livre do agressor e poder reconstruir a vida. Entre os obstáculos, a pobreza: em uma área periférica da cidade, onde achou moradia, Suzana também encontrou muitas pessoas que vinham de outros locais e viviam situação semelhante à dela. 

“É uma rua que tem muita gente que veio de locais mais pobres, gente que está querendo se reerguer aqui. E naquela rua a gente encontrou muita pobreza. Fomos falar com a Suzana e ela comentou que estava ali fazia duas semanas, mas que todos ali passavam fome e frio. E nenhuma das mulheres ali tinha acesso a absorventes”, conta Maria Eduarda. 

Foi assim que o projeto começou inicialmente atendendo 26 mulheres daquela região. Como a menstruação é algo que ocorre mensalmente, elas decidiram abrir a iniciativa para que outras pessoas pudessem ajudar, criando assim a campanha e divulgando nas redes sociais. Com a visibilidade, hoje elas atendem 84 mulheres. 

Maria conta que a maior parte das mulheres que atende têm entre 15 e 30 anos. Em muitos casos, as meninas que estão na fase da adolescência ficam sem acesso ao absorvente não apenas pela pobreza, mas também pela negligência dos pais, na maior parte dos casos do pai. Segundo Maria, eles não querem gastar dinheiro com esses itens e a jovem tem que improvisar. 

Esse é o caso de *Fernanda, 15 anos. Maria conta que o pai da adolescente não compra absorventes para ela por não considerar necessário, e prefere gastar o dinheiro com bebida. *Fernanda contou a ela que se reclama, o pai surta, e que aprendeu a se virar com o que tem, que são panos velhos ou papel. É assim desde que a menina tinha 12 anos. 

Maria relata que atende outra situação em que a adolescente mora com a mãe e o padrasto, que compra os itens de higiene apenas para a esposa, mas não para a enteada. 

Como Blumenau tem um polo da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), algumas meninas vêm para a cidade para estudar, e com todas as despesas de moradia, deslocamento e alimentação que têm, não sobra dinheiro para o absorvente. Essas estudantes que não têm dinheiro para pagar esses itens são outra parcela do problema. 

Para Maria, as mulheres que passam por isso muitas vezes se sentem envergonhadas com a situação. Na percepção dela, a própria pobreza não costuma causar tanto constrangimento quanto a pobreza menstrual em si. Ela relata o caso de uma mulher que se sentiu feliz em receber uma cesta básica, mas constrangida em receber os absorventes. 

*Marisa, cobradora de ônibus, também teve que lidar com a falta de condições de comprar absorventes e recebeu doações da campanha. Para Maria, ela contou que com o que sobrava do salário, só conseguia comprar oito absorventes, o que não era suficiente, então se segurava para não ir ao banheiro, porque só podia gastar um absorvente por dia. *Marisa sempre tinha infecções. 

Segundo Márgara Hadlich, a maior dificuldade que ela encontra em meio a tantas campanhas que promove é fazer uma exclusivamente destinada aos absorventes. 

A necessidade da criação dessa campanha se encontrou com a vontade de ajudar o próximo da mestranda em Desenvolvimento Regional Anna Coirolo, que começou a arrecadar os produtos de higiene íntima feminina na campanha Ciclo do Bem, em uma parceria com Márgara. 

“Muitas pessoas já passaram por isso e só percebem quando ouvem o termo ‘pobreza menstrual’. Ao mesmo tempo em que é uma situação tão corriqueira, em que faltam muitas coisas, é mais uma pobreza dentro da pobreza”, opina Anna. 

A Ciclo do Bem foi criada para ser uma campanha temporária, lançada em maio de 2021, mas Anna sentiu necessidade de continuar com o trabalho, portanto a campanha continua ativa. 

Campanha de Anna é focada em produtos de higiene íntima. Crédito da imagem: Arquivo pessoal

O projeto já levou Anna até a Câmara de Vereadores de Blumenau para falar sobre o assunto. Na casa, foi aprovado em setembro de 2021 o Projeto de Lei (PL) de autoria do vereador Almir Vieira (PP), que institui um programa permanente de combate à pobreza menstrual e incentivo à saúde íntima feminina na cidade. De acordo com o documento, que foi sancionado por 13 votos contra um, as ações seriam implementadas pelo poder público municipal ou por intermédio de convênios com instituições sem fins lucrativos. Entre as iniciativas do PL, está a disponibilização de itens de higiene pessoal. 

A vereadora Cristiane Loureiro (Podemos) propôs, em junho de 2021, uma indicação para que o município forneça absorventes para mulheres de baixa renda de todas as idades, em situação de vulnerabilidade social, nas escolas públicas municipais e unidades de saúde. No momento, a proposta está arquivada. 

*O nome foi trocado para preservar a identidade da pessoa 

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