Home office transforma casa em escritório e sobrecarrega a rotina
Trabalhar fora e cuidar de casa não é novidade para as mulheres. Mas no último ano, boa parte das trabalhadoras foi obrigada a se adaptar às condições impostas pelos protocolos sanitários, com um novo jeito de trabalhar e um novo modo de agir. Um dos grandes desafios enfrentados com a pandemia de coronavírus foi o home office. Uma pesquisa realizada em abril pelo portal de vagas de emprego Catho, com 6 mil entrevistados, mostrou que 92% das mulheres que estavam trabalhando de forma remota também e r a m responsáveis por cuidar dos filhos, que estavam em casa devido à suspensão das aulas presencias.
Ana Paula Wotroba, que atualmente trabalha como designer de unha, passou pela experiência de home office quando atuava como analista de marketing em uma empresa têxtil da cidade de Blumenau. Mãe da pequena Cora, 3 anos, ela conta que o primeiro mês foi o mais difícil, pois precisava entregar o trabalho em dia e aliar os cuidados da filha.
“Entregar os mesmos resultados do trabalho presencial e conseguir estabelecer uma rotina que concilie trabalhar e cuidar da minha filha foram as maiores dificuldades”, lembra. Ela complementa que a fase de adaptação ainda não acabou e que todos os dias precisa usar da criatividade para adequar o dia a dia, tanto dela, como o de Cora.

Uma das tarefas mais difíceis para as mães é fazer a criança entender que o lar virou o ambiente de trabalho. “As tarefas de casa nunca estarão 100%, pois todos os dias são diferentes. Às vezes minha filha compreende e às vezes não, normal”, relata Ana Paula, sobre como foi a adaptação em casa.
Antes do home office, Ana e Cora tinham uma rotina organizada e estratégica. Cora ia para escola de manhã cedo e no fim do dia todos retornavam para casa com tudo já previamente planejado, inclusive a janta daquela noite.
“Hoje acordamos cedo, preparo o café e arrumo as camas enquanto ela come. Trabalho num curto período até próximo das 11h, que é quando começo a pensar em preparar o almoço. Depois de almoçar, limpo tudo e volto a trabalhar. Normalmente ela brinca perto de mim ou assiste televisão, e faço pausas para preparar lanches ou até mesmo brincar com ela, quando vejo que ela está se sentindo muito sozinha”, conta.
Para Ana, a maior vantagem de estar em home office é estar ao lado de Cora o tempo todo. Mesmo trabalhando, elas estão mais próximas e ela consegue acompanhar melhor o crescimento da pequena. Porém, o fato de não estar em um ambiente corporativo e ter outras distrações têm impactado na entrega do trabalho.
Ela entende que não consegue atender a todas as demandas e cuida para não se sentir decepcionada ao fim do dia, mas, infelizmente, nem sempre consegue manter o psicológico intacto das cobranças diárias. “Frustrada por não conseguir desempenhar nenhum dos papéis 100%, nem cuidar da minha filha como gostaria e deveria, nem entregar as coisas do trabalho como seria presencial e nem fazer as tarefas de casa que deveria, poderia fazer”, relata.
Mães de adolescentes também sofrem com trabalho em casa
E não são apenas as mães dos pequenos que se deparam com exaustão ao final do dia. Mães dos jovens adolescentes também relatam cansaço físico e mental que chegaram juntos com o trabalho remoto. Ana Carla Faust, 35 anos, trabalha como analista de controladoria na multinacional Hitachi Power Grids. Ela tem uma filha de 14 anos, que está no 9º ano do ensino fundamental.
Para a analista, o home office chegou e mostrou para as mulheres que elas precisam ser mães, profissionais e donas de casa, tudo ao mesmo tempo. “Quando se está em casa, se faz sujeira, tem que cozinhar, ou seja, o trabalho doméstico se intensifica. Só que ao mesmo tempo tem que cumprir o horário de trabalho, então é difícil conciliar tudo”, conta Ana Carla.
Ela relembra que no primeiro mês era tudo novidade e, como a pandemia estava ainda nos seus tempos mais sombrios, só saia de casa para ir ao mercado. A filha dela, Júlia, tinha aula 100% on-line e, como o futuro era incerto, não faziam planos a longo prazo.
O tempo de adaptação a esta nova rotina durou seis meses, mas Ana Carla diz que ainda não se sente 100% integrada à nova realidade. “É exaustivo. Não tem descanso. Sempre estou fazendo uma coisa e já pensando na próxima que tem que ser feita. A casa deixou de ser sinônimo de descanso. Agora a casa é onde tudo acontece. Raramente consigo descansar, porque sinto que deveria estar fazendo algo”, relata.
Sua antiga rotina era completamente diferente, pois passava o dia todo fora e retornava para casa às 19h, jantava, tomava banho e descansava. Hoje em dia ela diz que faz tudo ao mesmo tempo, no mesmo lugar e que está sempre correndo. As únicas vantagens que ela vê nesse novo sistema são o fato de não pegar trânsito, ter mais flexibilidade de horário, conseguir conciliar atividades da casa enquanto trabalha, como por exemplo colocar a roupa para lavar, passar mais tempo com a filha e curtir os animais de estimação.

Jornada Dupla
Enquanto algumas empresas adotaram o trabalho remoto, outras partiram para o modelo híbrido, no qual o funcionário trabalha alguns dias em casa e outros de forma presencial. Para ajudar essas mulheres com jornada dupla, profissionais de psicologia já estudam formas para auxiliar e s s a s mulheres a terem uma rotina menos exaustiva.
“A função da psicologia é mostrar para essa mulher que ela tem uma rede de apoio, que ela tem pessoas com quem ela possa contar, além dos serviços municipais que deveriam ter a capacidade de acolher essa mulher, mas principalmente acionar pessoas de confiança”, explica a psicóloga Júlia Seibt.
Ela relembra que desde a revolução industrial, quando as mulheres saíram de casa e resolveram encarar o mercado de trabalho, a mulher foi muito sobrecarregada, pois não houve a entrada do homem nas atividades domésticas e os papéis não foram equilibrados.
A importância de uma rede de apoio é lembrada a cada dia que p a s s a , visto o aumento de relatos de exaustão das mulheres.
“As mulheres costumam pensar que dá conta de tudo, mas é importante descentralizar esse pensamento dessa figura para que ela também consiga se sustentar. Mostrar que é importante o autocuidado dessa mulher, para que ela veja que, estando bem, ela vai conseguir manter o restante da casa funcionando”, aponta Júlia.