A prática é proibida no Brasil, mas a quantidade de abortos voluntários não avisados é muito maior do que se imagina.
O aborto induzido, também conhecido como interrupção voluntária da gravidez sempre gerou muita discussão. Há várias opiniões sobre o assunto, podendo envolver desde os direitos da mulher, risco à vida da gestante e até mesmo o fato de o governo proibi-lo. Embora os dados estatísticos disponíveis já sejam preocupantes, estima-se que o volume de abortamentos seja muito maior.
No Brasil, são registrados cerca de seis abortos por dia em meninas com idade entre 10 e 14 anos, conforme dados de 2020 do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), analisados pela BBC News. Esses casos envolvem procedimentos com registro da ocorrência, ou seja, feitos em hospitais e internações após abortos realizados em casa, por exemplo. Isso significa que, apesar de a prática ser considerada crime no país, a proibição por si só não consegue evitar a realização de abortos.
Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto, de 2016, são realizados cerca de 500 mil abortamentos por ano no país. Tendo em vista que a prática ainda é criminalizada, o Ministério da Saúde contabiliza apenas cerca de mil procedimentos feitos de forma legal. Ou seja, quase todas as interrupções de aborto ocorrem de forma ilegal e, na maioria das vezes, de maneira insegura.
Em diversos países, a prática já é autorizada e realizada pelo sistema de saúde local, como na França, desde 1975. No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez não é permitida por lei, salvo em alguns casos excepcionais. Na Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 está claro que aborto é considerado legal quando a gravidez é resultado de abuso sexual ou põe em risco a saúde da mulher. Além disso, em 2012, um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que é permitido interromper a gestação quando se nota que o feto é anencéfalo, ou seja, não possui cérebro.
Abortos clandestinos
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), um aborto é considerado inseguro quando é conduzido em um ambiente inadequado para procedimentos médicos ou feito por pessoas sem a competência necessária. Além disso, ao ser feito de forma clandestina, a prática pode causar a morte de mulheres.
As maiores vítimas no país são as mulheres negras, as menores de 14 anos e quem mora na periferia. Esses perfis são os que mais morrem após interrupções da gravidez realizadas de forma insegura no Brasil.
O crime de abortar
Segundo a Lei, o aborto induzido é considerado crime contra a vida humana, previsto pelas normas penais em vigor. Foi a partir de 1830, com o Código Penal do Império, que abortar passou a ser considerado um delito no Brasil.
Induzir um aborto pode causar prisão de um a três anos para quem o realizar ou permitir que outra pessoa o cometa. A pessoa que realiza o procedimento também comete o crime, podendo sofrer uma pena de um a quatro anos de prisão. Se ele é provocado sem o consentimento da mãe, a pessoa que o provocou pode pegar de três a dez anos de reclusão.
Quando o aborto é permitido?
Embora vedado pela legislação, a prática é permitida apenas em três casos: quando a gravidez é decorrente de um estupro; quando causa risco de vida à mulher, ou até mesmo quando acontece a gestação de um feto que não há chances de sobrevivência ao nascer (parada completa de desenvolvimento como nos casos de anencefalia). As duas primeiras exceções estão na lei; a terceira é uma iniciativa promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A grávida que estiver em uma dessas situações tem direito de realizar de forma gratuita o aborto legal por meio do SUS. O procedimento necessita de algumas exigências legais e, em alguns casos, até mesmo uma autorização judicial para poder efetuá-lo.

Saiba como funciona o Aborto legalizado
Segundo a plataforma DataSUS, 1.024 abortos já foram permitidos por razões médicas no primeiro semestre de 2020 no Brasil. No mesmo período de 2019, foram 938 casos.
Em Santa Catarina, de janeiro a junho do ano passado, o total de abortos permitidos legalmente chegou a 38. Já nos seis primeiros meses de 2019, foram realizados 62, segundo dados do Governo Federal.
O atendimento de casos em aborto é realizado em hospitais autorizados pelo Ministério da Saúde, como o Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis; o Hospital Santo Antônio, em Blumenau; ou a Maternidade Darcy Vargas, em Joinville. Geralmente os encaminhamentos são feitos pela assistência social ou programas específicos de atendimento às vítimas de violência sexual.
Debate sobre descriminalização do aborto gera opiniões divergentes
Em 2019, um projeto de lei de autoria do vereador Marcos da Rosa (DEM) propôs a criação da Semana Municipal de Conscientização Contra o Aborto, na cidade de Blumenau. Aprovado por unanimidade pelos membros da Câmara Municipal, a Semana foi instituída pela lei 7890/2019.
De acordo com o político, a data comemorativa tem o objetivo de trabalhar o tema, mostrando os prejuízos da escolha para todos os envolvidos, e a responsabilidade que todos devem ter com o planejamento familiar.
“O aborto jamais será seguro, pois, fatalmente implicará na morte de alguém. Não apoio essa atitude, por acreditar na vida. Após a concepção, ninguém tem o direito de escolher quem vai viver ou morrer. Há inúmeros métodos contraceptivos, estes sim, devem ser usados”, opina.
Já para a advogada e fundadora do Instituto Feminista Nísia Floresta, Rosane Magaly Martins, a maioria dos religiosos condena o aborto porque falar desse assunto é tratar sobre o controle das famílias, algo polêmico na religião. “Os argumentos mais comuns são: existem os métodos contraceptivos; Deus deu a vida, só ele pode tirar; o feto possui alma que sofrerá pelo assassinato provocado pela mãe; que mesmo indesejado a mãe acaba amando e cuidando do filho”, argumenta.
“Não é uma disputa entre Deus e o diabo, entre a vida e a morte. Se o objetivo é diminuir o aborto, é preciso pensar que, para alcançá-lo, devemos oferecer educação e conselhos. Isso, sim, é absolutamente coerente com a religião que prega amor e solidariedade”, afirma Rosane.
De acordo com a feminista, as mulheres optam pelo procedimento por inúmeras razões, sejam elas econômicas, por abandono de familiares, quantidade de filhos já nascidos, idade ou religião. Como a prática não é legalizada, a cirurgia clandestina ainda se torna a única saída que elas encontram para interromper a gravidez indesejada. “Ninguém pode julgar as causas que levaram a mulher a tomar essa decisão”, pontua.
A advogada Rosane pensa que os direitos humanos de milhares de mulheres são colocados em xeque no momento em que ela não pode decidir se quer ou não um filho. “Por isso, o movimento feminista vem lutando pela independência da mulher e principalmente pelo direito ao controle do próprio corpo desde a década de 1970”, afirma.
“Elas só exigem um direito básico e que as decisões delas sejam descriminalizadas. Aborta quem quiser, se quiser e quando quiser. É uma prerrogativa íntima e totalmente individual das mulheres”, explica.
“Elas só exigem um direito básico e que as decisões delas sejam descriminalizadas”.
Rosane Magaly Martins
Além das críticas sociais de quem não apoia o ato, a mulher também pode se deparar com uma objeção do médico em realizar o aborto, por motivos pessoais, como direito à liberdade de pensamento, crença e de consciência. Caso isso aconteça, se a mulher não for encaminhada a outro profissional para intervenção médica, essa ação poderá ser negligência no atendimento do serviço de saúde. E o atendimento não deve ser recusado em casos emergenciais, quando há risco à vida da gestante. Se as garantias da criança ou mulher forem desrespeitadas, ela pode buscar assistência da Defensoria Pública que atende o seu município.