Mesmo diante do preconceito, rap blumenauense ganhou mais visibilidade com a internet
Raquel Piske
“É um protesto, nossa música é em protesto”. Assim descreve a rapper Kathleen Gislayne Sedrez, integrante da dupla Palavra Feminina, de Blumenau. Katy, como é popularmente conhecida, é um dos nomes do rap na cidade. Como o próprio nome explica, o RAP (rhythm and poetry; ritmo e poesia, em português) engloba a batida a uma letra, expressos de forma acelerada e pouco melódica. Ligado ao Hip-Hop, que surgiu nos Estados Unidos, o rap é uma das vertentes desse movimento. “O rap é uma herança da população negra da Jamaica que, por volta da década de 1970, levou essa expressão musical para o Bronx, nos Estados Unidos, difundindo-se em vários países, como o Brasil, nos anos 1980”, contextualiza a antropóloga social Tatiane Scoz, que estudou o espaço do rap em Blumenau em sua dissertação de mestrado.
Em Blumenau, o rap ganha voz através da contribuição de grupos e artistas individuais que vêm buscando passar sua mensagem, alguns desde os anos 1990. Tatiane explica que existem diferentes tipos e intenções, na cidade. “O rap aparece, em alguns casos, como uma forma de se obter uma fonte de renda; em outros, como um meio de praticar ensinamentos que possam guiar ou transformar a vida de outras pessoas, ou seja, como uma ‘ferramenta de resgate’ em que se propõe dizer a ‘verdade’ e mostrar a ‘realidade’ das periferias, criticando os problemas sociais, denunciando a corrupção e o descaso com a população”, explica.
Bona Boaventura é um dos rappers pioneiros no município e conta que o estilo tem se adaptado ao longo dos anos. “Quando eu comecei era uma coisa de outro mundo fazer rap em Blumenau. Hoje em dia está bem mais acessível, tem bastante grupos de rap, pessoas que fazem um som massa”, conta. Para ele, apesar de Blumenau estar no interior, hoje, com a internet, se usada a seu favor, pode proporcionar grande visibilidade.
A dupla Palavra Feminina, da qual Katy faz parte há oito anos, existe desde 2001. O grupo nasceu da necessidade que elas viram de mulheres terem voz ativa no rap, em um cenário predominado por homens. Um dos momentos mais marcantes para Katy foi quando cantaram em um evento em São Paulo. Elas subiram no palco e as pessoas não deram a menor atenção para elas.
“Todo mundo virou as costas achando que o nome era ‘florzinha’, ‘as meninas vão cantar’. E no final, quando eles ouviram a gente cantar, ouviram a nossa voz, porque querendo ou não é uma voz feminina ativa, viraram todos e ficaram espantados. Me surpreendeu e também às pessoas. Eu achei que eles iam sair, mas gostaram do nosso som”, alegra-se.
Para Boaventura, o preconceito com o rap ainda existe e um dos motivos que leva a isso é por ser um gênero novo e pouco difundido. Katy também aponta a questão do desconhecimento como uma das justificativas para o receio que algumas pessoas têm. “É tudo arte e não querem colocar a arte porque é marginalizada, e realmente, é marginal, porque foi criado nas marginais das grandes cidades, mas eles usam a palavra ‘marginal’ como algo ruim”, lamenta a rapper.
União para enfrentar desafios da carreira
A antropóloga Tatiane Scoz explica que, durante sua pesquisa, entrevistou rappers da cidade e concluiu que o preconceito pode estar relacionado a muitos fatores. Um deles, segundo ela, é a associação com a figura do bandido.
“De acordo com alguns rappers com quem conversei, era comum serem alvo de revista por policiais, o que os deixavam bastante indignados, pois os rappers se percebiam como o oposto disso, eles se definiam como pais de família, pessoas trabalhadoras, honestas, que pagam suas contas”, relata.
Ela conta que muitas das letras destas músicas expressam a realidade do cotidiano das periferias, na maioria das vezes interpretado como um local assolado por diferentes formas de expressão da violência.
“Para muitos rappers em Blumenau, isso podia ser motivo para que muitas pessoas o considerem como música que faz apologia ao crime”, pontua a antropóloga.
“Essa expressão da violência que, nas letras dos rappers marca o cotidiano das periferias de Blumenau, entra em choque com o ‘perfil turístico’ da cidade, com a idealização de uma cidade germânica sem pobreza, sem favela”, diz.
Empoderamento
“Infelizmente não dá pra viver do rap, principalmente sendo mulher, aqui em Blumenau”, diz Katy, que trabalha em uma empresa e faz música como um trabalho extra, ou como ela chama, um “trabalho de coração”. Ela reflete que, em 2001, quando iniciou, tinha menos visibilidade em comparação ao que tem hoje.
Um dos motivos para isso, segundo ela, foi o surgimento de coletivos formados por mulheres, que apoiam umas às outras.
“Agora, como a gente tem a união de outras mulheres, tem outras mulheres dizendo ‘não, chega, eu quero subir no palco, eu quero fazer rap, eu sou compositora, eu sou MC, eu danço break, eu sou grafiteira’. Hoje, as mulheres estão abrindo portas e gerando oportunidades para outras mulheres. Mas os homens muitas vezes não abrem essas portas, são poucos os que aceitam que as mulheres façam parte do movimento”, diz.
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