Enchentes nas ondas do radioamadorismo

A importância desse trabalho na comunicação durante a tragédia de 83

Michelle Mello

Quem é de Blumenau e do Vale do Itajaí já deve ter ouvido várias histórias sobre as enchentes e calamidades que atingiram os municípios da região. Nisso, as enchentes de 1983 e 1984 são as mais lembradas. As imagens estão gravadas na mente até daqueles que não viveram o momento e apenas viram as fotos. Mas numa década em que ainda não existia internet e celulares para falar sobre o que estava acontecendo, como foi que o Brasil e o resto do mundo ficou sabendo? Foi através da voz dos radioamadores que  a ajuda chegou.


O Clube de Radioamadores de Blumenau, com mais de 45 anos de existência, certamente entrelaça a sua própria história com a da cidade. O clube trabalha em parceria com a Defesa Civil, o SAMU e o 23º Batalhão de Infantaria, disponibilizando o uso das antenas e outros serviços, de acordo com o site da CRB. Em Blumenau, existem 137 radioamadores registrados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), segundo dados do sistema Entidades Autorizadas dos Serviços Privados (EASP). Já em Santa Catarina, são cerca de 3650 estações.


Ainda de acordo com o CRB, a cidade possui 4 repetidoras com alcance além do munícipio. Isso permite que a comunicação entre radioamadores chegue a outras cidades, como aconteceu durante a enchente de 1983. Uma das principais radioamadoras da cidade é Alda Niemeyer, também conhecida como Vovó Alda. Atualmente com 98 anos, Alda teve seu primeiro contato com radioamadorismo ainda quando criança. 


“Em Joinville, com um dos meus tios, eu tive o primeiro contato, sem saber o que era. O filho do meu tio e eu éramos uns arteiros, na família. O que um não sabia, o outro inventava. E de tarde, depois do banho e antes da janta, o meu primo e eu estávamos nessas cadeirinhas de italiano. Fomos colocados atrás do tio Rodolpho, num quarto que estava cheio de segredos. Era proibido entrar ali. Estávamos lá sentadinhos. Alguma coisa ele fazia na mesa que dava uns ruídos esquisitinhos. Mas nós estávamos acostumados com esse barulho de (dadadada). Uma tarde deu um estalo enorme em cima dessa mesa, faíscas pulavam e o tio Rodolpho, que era muito quieto, começou a xingar. Nós na cadeirinha estávamos convictos que dessa vez nós não tivemos culpa nenhuma. Estávamos bem quietinhos. E o meu tio Rodolpho começou a manejar alguma coisa na mesa e de repente começaram os ruídos de novo. E nós ali aliviados. Isto era o meu primeiro contato com radioamadorismo porque o tio Rodolpho era uns dos pioneiros dos radioamadores brasileiros. isto em 1925, 1926, por aí. ou 35.”, relembra Niemeyer. 

O radioamadorismo voltou para a vida da Vovó Alda anos depois. Após passar a Segunda Guerra Mundial e voltar para Blumenau, o marido a incentivou a fazer os testes para ser radioamadora. “Mas depois sabe como é. Escola, juventude, toda a minha aventura na Segunda Guerra Mundial… Eu voltei com o meu segundo marido para Blumenau, e quando um filho nosso faleceu, o meu marido me incentivou a fazer o teste”.

Alda Niemeyer teve grande participação na enchente de 1983. Arquivo pessoal: Alda Niemeyer.

Alda teve papel importante durante a enchente de 1983, que atingiu Blumenau e região. Através de seu rádio, ela entrou em contato com outros radioamadores de diversas cidades e relatou a situação na qual a cidade se encontrava.  Sua voz chegou até seus amigos na Alemanha, que mandaram diferentes tipos de suprimentos. Niemeyer relata sua experiência durante a enchente: “Isso foi muito engraçado porque minha casa, na Ponta Aguda, tava de repente com água. Quando não tinha mais luz elétrica de noite e a água subindo, empacotei o meu equipamento e fui para o apartamento da minha filha na Ponta Aguda, na rua Uruguai”, relata. 

Enchente atingiu o municipio de Blumenau e a região em 1983. Acervo: Centro de Memória Universitária – CMU/ Aquivo Furb.

Para ela, foi uma surpresa quando bateram em sua porta perguntando por um radioamador.  “Podem levar o meu equipamento com uma condição: eu quero saber quem opera.  Eles disseram que sentiam muito, mas não tinham quem pudesse operar. Eu teria de ir junto, e lá fui eu”, alegra-se a Vovó Alda.


Ela foi levada para a antiga Celesc pelos funcionários. Eles instalaram suas antenas e dali partiu seu primeiro contato com outro radioamador no período da enchente. “Às duas horas da tarde, eu me apresentei como a ‘PP5ASN móvel da Celesc para a central’, que já tinha sido formado com outros radioamadores nos locais mais elevados”.


Existiam cerca de 20 “ilhas”, que eram os radioamadores localizados em pontos altos ou importantes da cidade. Havia estações na prefeitura, no exército e nos hospitais. Através de repetidoras, era possível se comunicar com radioamadores de outros estados e até Alemanha. “Através de um radioamador em Porto Belo, eu tive contato direto com os meus amigos na Alemanha. Um colega lá, colocou o microfone dele no alto falante que eu falava e eles escutaram a minha voz. Por conta disso, uma rede de ajuda foi mobilizada lá na Alemanha. Vieram toneladas e toneladas de donativos”, relembra Alda.

RADIOAMADOR: MUITO ALÉM DE UM HOBBY


Mas como funciona o radioamadorismo? De acordo com o presidente do clube, Mauro Cerqueira Leite, existem várias formas de comunicação utilizadas pelos radioamadores. “Cada radioamador opera do modo que mais o agrada. Por exemplo, tem um grupo que gosta de Telegrafia (código Morse) e eu me incluo nesse. Tem aqueles que gostam de fazer contatos a distância com outros países (DX). Tem o radioamadorismo de competição quando concursos são organizados pelo mundo todo e o objetivo é contactar o maior número de estações mundo afora. Temos também concursos nacionais. Tem aqueles que optam por comunicados via satélite (de uso exclusivo do radioamador), outros ainda optam por operar modos digitais, como VHF, HF, SHF”, explica Mauro.


Essas técnicas, por mais “simples” que pareçam, são utilizadas em áreas curiosas e importantes. Por exemplo, os astronautas na estação espacial possuem conhecimentos nas técnicas de radioamadorismo, para se comunicarem em casos de emergência. Entre os escoteiros, existe o radioescotismo, ensinado e utilizado para fazer contato entre acampamentos.


Existem três diferentes classes de radioamadores no Brasil: C, B e A. A primeira forma de ingressar nesse hobby é realizando os exames, envolvendo a legislação, técnica e ética profissional, para conseguir a classe C. Assim, a pessoa poderá transmitir em certas bandas. Conforme migra para as outras classes, os requisitos aumentam.  “Para a classe “A”, você deverá permanecer um ano como classe “B” e fazer um exame de promoção com  Técnica e Ética Operacional, Legislação de Telecomunicações, Conhecimentos Técnicos de Eletrônica e Eletricidade e Transmissão e Recepção Auditiva de Sinais em Código Morse. Aprovado você recebe seu Certificado e Operador de Estação de Radioamador (COER). Após pagar as taxas você  consegue obter sua licença de funcionamento que pode ser fixa, móvel ou ambas”, informa Mauro Cerqueira Leite. 

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